GESTOS PERIGOSOS

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

O HORIZONTE DO NOSSO FUTURO


Eu caminhava pela praia. Beira do mar do Embaré. As ondas terminando nas minhas pegadas. Queria refrescar os pés e sorver o iodo no ar que vem do oceano.
Quantas vezes tive o prazer de unir-me ao mar da Ponta da Praia ao José Menino. Interação essencial de corpo e Natureza. Na verdade, criei-me assim, aos abraços das ondas salgadas, às carícias das areias nos meus pés. Correr sem motivo... Saltar para tocar o céu imaginário... Futebol sem compromissos... Peito nu, suor e o mergulho nas águas mornas do verão... Somente viver a sensação de liberdade que desponta no horizonte, na infinita união do verde com o azul. Na ilusão de que o futuro está logo ali, atrás daquela linha entre o céu e o mar.
Encontrei com Jonathan mais uma vez. Estava sempre ali, sentado na beirada da calçada de acesso à areia. Mirava o horizonte, como quem procura incansavelmente alguma coisa.
- Sempre buscando o futuro, não é? – disse-lhe interrompendo sua introspecção. Jonathan apenas balançou a cabeça afirmativamente. Um tanto encabulado pela pálida resposta, apenas um gesto, sentei-me ao seu lado, em silêncio. E busquei no horizonte algum motivo para ficar ali, quieto, parado. Eu já sabia dessa rotina diária do Jonathan, embora não entendesse o verdadeiro objetivo.
- Meu avô – Jonathan rasgava o silêncio – falou-me em seu leito de morte: “No horizonte está o segredo do nosso futuro. Se fixarmos nosso olhar no ponto exato entre o céu e a terra, poderemos vislumbrar imagens boas, indicativas do nosso amanhã. Lembre-se sempre dessa verdade.”
- Será mesmo? – perguntei interessado no assunto.
- Veja lá! – apontou-me o horizonte. – Aquelas nuvens nos dizem alguma coisa. Observe as imagens que elas formam com a incidência dos raios do sol. Que lhe parecem?
- Bem... Não sei... Um urso polar? – Jonathan riu. Na certa, em relação ao que ele visualizava, falei besteira. E tentei consertar:
- Tá certo! Já estou vendo... Gigantes bolas de neve...
Jonathan pôs-se de pé. Espreguiçou-se, colocando os braços às costas. Olhou para o lado oposto. A avenida estava movimentada pelo trânsito confuso. Automóveis, bicicletas... Muitas pessoas passavam ao largo dos jardins. Uma jovem senhora sorriu-me, empurrando com orgulho o carrinho de seu bebê. Sentado fiquei, observando-o. Ele não disse mais nada. Não se despediu. Apenas afastou-se, com passos lentos.
Ali mesmo, já banhado pela penumbra do anoitecer, com a autoavaliação de um grande imbecil, fixei meu olhar no horizonte. Era minha obrigação de ser racional descobrir a verdade das palavras do avô do Jonathan. Um cão, cheirando minha perna, tentou desviar-me da linha do futuro. Um pedinte arrancou-me alguns centavos. Um casal de turistas pediu-me alguma informação. Com certeza, o mundo resolvera perturbar meus poucos minutos de meditação.
Já era noite quando um relâmpago cortou o horizonte. Chuva iminente. O que Jonathan vislumbraria naquele clarão que se refletiu no mar e nas nuvens? Tentei imaginar os desenhos da visão dele. Impossível. As minhas idéias de futuro são minhas. Exclusivamente minhas. Não há previsão coletiva do amanhã. Mesmo porque cada um de nós constrói seu próprio futuro. É processo individual. Compreendi o que Jonathan fazia observando o horizonte. Dava asas à sua imaginação. E encontrava, em seu interior, respostas às suas dúvidas. Eliminadas as incertezas, construía o seu futuro. O horizonte? Apenas um ponto de referência místico. Espaço mágico.
Engraçado, eu também encontrei algumas respostas interessantes olhando o horizonte. E me vi mais velho e um pouco mais feliz. Eu só tinha vinte anos...
A chuva foi chegando, mansa, e eu fui deixando a praia, tranqüilo. Já na calçada da avenida, olhei mais uma vez para o horizonte. A escuridão da noite impedia-me de rever a linha do futuro. Não dei importância. Tinha certeza de que é sob o sol que a vida resplandece. E o futuro... Bem, o futuro é o dia seguinte, que eu espero sempre aconteça. Até o anoitecer eterno no horizonte do meu próprio tempo.

Roberto Villani