GESTOS PERIGOSOS

terça-feira, 30 de junho de 2009

MEU DIA MAIS BONITO DO ANO


No domingo, dia 21, completaria setenta anos de idade. Sete décadas, contagem mágica, cabalística. Necessária alguma comemoração especial. Ter a minha volta a família, filhos, genros, netos... Até a nora que está a caminho. Entretanto, para satisfazer tal desejo, seria preciso reunirmo-nos em Santos, na casa da filha que por lá ficou quando vim para o interior. Então, convocação geral. Sairíamos na quinta à noite; combinado. Arrumamos as malas, acomodando-as nos porta-malas dos nossos carros. E dividimos as pessoas em dois veículos, quem ia neste, quem ia naquele. A ansiedade era tanta que quase esqueci de abastecer meu carro.
Fazia tempo que eu não me sentia tão feliz.
Aproveitando minha presença em Santos na sexta-feira, marquei encontros importantes para mim e para o meu trabalho. Acordei relativamente cedo. Banhei-me, tomei café e saí curtindo ruas da cidade onde nasci. Santos está muito linda. Dirigia devagar, observando jardins, edifícios, pessoas... O mar... Sensação gostosa inundava meu íntimo. Orgulho travesso revia um moleque jogando bola naquelas areias. Saudade marota arrancou lágrimas de meus olhos atentos a tudo.
Fazia tempo que eu não me sentia tão feliz.
Problemas para estacionar. Eu estava a caminho do Hospital São Lucas. Não, caro leitor, querida leitora, eu não estava com problemas de saúde. Dirigia-me àquele local para encontrar um velho amigo, funcionário de lá. O José Roberto, ou melhor, o Zé. Não nos víamos há muito tempo. Mas consegui uma vaga para deixar o meu carro. E fui obrigado a andar duas quadras. Eu sei que caminhar é preciso, que faz bem, mas...
Confesso que me emocionei ao entrar no Hospital São Lucas. Durante dez anos trabalhei ali na implantação e manutenção de sistemas de informática. Eu e o Zé Roberto. Comecei desenvolvendo programas num Applle, na linguagem chamada Turbo Basic, hoje objetos de museu. Com a compra de equipamentos mais sofisticados, criamos sistemas em Data Flex, linguagem avançada naquela época. Década de 80. Hoje, numa reverência do meu amigo Zé Roberto, sou considerado o pai da informática no Hospital São Lucas de Santos. Gostoso, não? Posso garantir que a conversa foi longe. Relembranças do passado. Das pessoas que conhecemos e que já se foram. E daquelas que, graças a Deus, ainda pertencem ao nosso presente. Deixei o São Lucas certo de ter alimentado um pouco mais a minha alegria.
Após o almoço, pus-me novamente nas ruas de Santos. Meu objetivo então era rever o meu grande amigo Carlos Pinto, Secretário da Cultura de Santos e presidente do ICACESP - . Amizade antiga, que nasceu na década de setenta, mais precisamente em 1971, quando organizei o primeiro festival de teatro infantil. O Carlos era presidente da Federação Santista de Teatro Amador e tornou-se parceiro na realização do evento, auxiliando-me naquela empreitada. O Carlos é um experto em administração pública, principalmente na área da cultura. Homem público de importância política invejável. Ser seu amigo é privilégio especial.
Nosso encontro mostrou-me uma panorâmica da cultura de um modo geral. Falei-lhe da cultura em Descalvado, das dificuldades, dos projetos, do intenso trabalho apesar das ausências... Visitei o Teatro Municipal; o Carlos está cuidando de restauros e de reformas naquele local que eu guardo com carinho no âmago das minhas saudades. Testemunha presente nas lides de meus trabalhos teatrais. Enfim, entre o primeiro e o segundo cafezinho, estreitamos acordos e eu garanti minha inscrição no ICACESP.
Deixei o gabinete do Carlos Pinto profundamente regozijado. Com a certeza de seu apoio no que me for preciso e com ingressos para assistirmos a Marisa Orth no dia seguinte, à noite, no lindíssimo Teatro Coliseu. Maravilhoso. Fomos, família de treze pessoas, e espalhamo-nos nas frisas, tribuna e camarote. E encantamo-nos. Marisa Orth, quem não a viu cantando num palco, esbanjando talento de artista completa, não imagina a beleza de sua figura e a força de sua voz. Pudesse eu trazê-la a Descalvado... Quem sabe, não é?
Como não poderia deixar de ser, o domingo nasceu belíssimo. O sol, logo pela manhã, abraçou-me por inteiro. Calor de aniversário. E acompanhou-nos pelo dia todo. Passeios pelo Gonzaga, pela Ponta da Praia... Pela Biquinha, em São Vicente... Ao entardecer, com certeza cansado pelas caminhadas ao longo do dia, o sol deixou-se levar para o oeste, abrindo espaço para a enluarada noite, repleta de estrelas, oferecer-me o beijo azul de parabéns.
Fazia tempo que eu não me sentia tão feliz.
Por fim, em cima do bolo de frutas da Viena, duas imponentes velas revelavam minha nova idade. Setenta. Agradeci a Deus e ao Mestre Jesus o privilégio de apagar aquelas velas junto com toda a minha família linda. Ao meu lado, como há quase meio século, Rosária, minha eterna companheira. Meus filhos Rosane, Rosângela e Roberto. Meus genros Luiz Borim e Luiz Calado. Meus netos Luiz Roberto, Andrey, Andressa e Allan. Minha futura nora Fernanda e a Marilia, namorada do Andrey. Comi o doce daqueles momentos, bebi o néctar da felicidade, sorvi a alegria de estar vivo diante dos meus entes queridos. E a noite passou em paz. Desfez-se no calendário o meu dia mais bonito do ano.
Fazia tempo que eu não me sentia tão feliz.
Roberto Villani
ps do editor:
Meu caro, penso eu que faltou arrumar um tempinho, para ir ate a Rio de janeiro 134, visitar o Carlos Alberto, mas.... Não se pode querer tudo, num dia só, ne?
hehehehhh

segunda-feira, 15 de junho de 2009

LER É CRESCER !

Beni esforçava-se para perder o medo de falar. E alguma mudança já ocorria no comportamento dele. Tanto assim que não foi difícil para Dida, sua fiel amiga e possibilidade de namoro, convencê-lo a assistir a uma palestra no anfiteatro do colégio. Eu fora convidado pela direção da escola para falar sobre livros e leitura. Uma iniciativa louvável para incentivar os alunos ao hábito de ler.
Beni e Dida acomodaram-se na última fileira, por escolha dele. Não queria ser muito notado entre seus colegas de escola. Como o auditório estava lotado, não lhe seria difícil passar despercebido.
- Alguém pode me responder quantos analfabetos existem no Brasil? – eu iniciava a palestra. – Como a quantidade ainda é muito grande, milhares de pessoas carecem do mínimo de Conhecimento. Por essa razão, única e indiscutível, o fracasso é o companheiro permanente na vida dessa gente. Ler é acrescentar bagagens culturais. É saber mais. Lendo, cada um de vocês aumenta o vocabulário, desenvolve a análise das argumentações, ou seja, elabora automaticamente pontos de vista e idéias.
- Ele é bom, não acha? – Dida provocava o Beni.
- Parece que é... – Beni, finalmente, emitiu um parecer, ato raro para ele, para júbilo da Dida. Eu continuava:
- Todo aquele que pretende falar bem, criar com correção seus argumentos para expô-los a outras pessoas, deve ler muito. É regra fundamental da comunicação. Quem se dedica metodicamente à leitura dificilmente escreverá ou falará de forma errada. Na leitura, assimilamos as maneiras corretas do uso das palavras, da composição das frases, enfim, de todos os quesitos necessários à boa comunicação. Mas uma coisa é importante: selecionem cuidadosamente o que vão ler. Existem muitas porcarias em forma de livros, que não acrescentarão nada ao conhecimento. Pelo contrário, poderão destruir o que vocês já tenham construído.
- Eu não gosto de ler. – sussurrou Beni a Dida. – O que posso fazer?
- Pergunte a ele. Levante a mão e pergunte. – disse-lhe ela.
Inútil proposta. Ela sabia que Beni ainda não estava preparado para expor-se em público. E resolveu substituí-lo na questão:
- Professor, eu não gosto de ler. O que posso fazer para mudar?
- Para quem não praticou a leitura desde pequeno, o desafio não é fácil. Mas também não é impossível. Você precisa adquirir o hábito. Ter vontade, entendeu? Ter consciência de que você só obterá sucesso na vida se buscar o Conhecimento através da leitura. Mas não se disponha, inicialmente, à leitura de grandes best-sellers, porque são famosos e porque todo mundo lê. Comece com livros de poesia, de crônicas, de contos... Parábolas... Muitos destes também são best-sellers, ótimos para conquistar nossas atenções iniciais, pois se constituem de estórias curtas e com muito conteúdo. Coisas assim, plenas de ensinamentos. Poesias, crônicas, contos e parábolas são ricos em exemplos verdadeiros da vida. E à medida que você desenvolve o gosto pelas letras, seu apetite literário vai exigindo leituras mais complexas. É só começar. Experimente. Tenho absoluta certeza de que você jamais se arrependerá de ter-me feito essa pergunta.
Ao finalizar, depois de uma hora de explanações, conclui:
- Lembrem-se sempre: ler é crescer!
Beni e Dida deixaram a escola felizes. Gostaram da palestra. Ouviram coisas esclarecedoras e importantes. Compreenderam que a leitura é a base de todo o Conhecimento. É a via preferencial do sucesso. E, a caminho de suas casas, passaram por uma livraria. Cada um comprou um livro. Beni escolheu Ecos da Alma, da poeta Fátima Irene Pinto. Dida optou por Levando a Vida Leve, de Laura Medioli. Carregaram-nos como algo precioso junto ao peito.
À porta da casa da Dida, entreolharam-se, sorriram e...
- Comprei este livro pra você, Beni. Com todo o meu carinho. – Dida estendeu as mãos dando o livro para o Beni.
O Beni, sem conseguir falar, deu o livro que comprara para Dida. E uma lágrima teimosa riscou de emoção seu rosto enrubescido. Dida estava feliz. O Beni dera o primeiro passo em busca da felicidade. E, quem sabe, do seu amor.
Beni foi direto ao seu quarto. Sentou-se na beirada da cama, pensativo. Desembrulhou o pacote do livro, com muito cuidado, sem pressa. Passeou pelas páginas impressas, sem ler. Buscando contato com aquele livro, senti-lo nas mãos. Algo valioso, só seu. Talvez estivesse ali, no livro, a chave das grades que prendiam seu projeto de ser feliz...
- Eu vou conseguir! – falou para si mesmo. Depois, deixou-se tombar sobre a cama. Paz sem cerimônia invadiu seu íntimo. E adormeceu tranqüilo, abraçado ao livro.

Roberto villani