GESTOS PERIGOSOS

domingo, 30 de agosto de 2009

MOMENTOS ROMÂNTICOS

Amor, carinho, dedicação, palavras que, por si só, contam grandes histórias. Palavras apaixonadas, canções românticas, lições fraternas que se prolongam pela vida. Quem ainda não amou? Quem nunca se dispôs a enveredar seus passos nos caminhos de outrem? Se criança, seguir nos rastros dos pais. Se jovem, dançar no compasso de paixões adolescentes. Se maduros, acampar no carinho de alguém muito especial. “Infeliz daquele que passou pela vida sem sentir dor de amor”, alguém já disse.
O romantismo, não o literário, mas aquele que existe dentro do ser humano, parece-me mais uma espécie em extinção. Marcante ainda nas músicas sertanejas e nas chamadas bregas, e, principalmente, na poesia, o verdadeiro sentimento romântico resiste no comportamento de algumas pessoas, não como modismo, mas como índole. Flores, jantar à luz de velas, abraços e beijos sob o luar (e inspirados na luz da lua), poemas dedicados etc, ainda se vê por aí, já não tão freqüentes. Observamos essas coisas como jóias raras de um tempo antigo. E, às vezes nostálgicos, ainda somos obrigados a ouvir chalaças, como “Isso já era!”, “Fora de moda!”, “Dá licença, mas tô fora!”... É uma pena, pois na época das serenatas, quando pegar na mão da namorada era verdadeira conquista masculina, os casais podiam passear pelas calçadas do mundo sem pavor do assédio dos marginais. Os grandes artífices do medo faziam-se os pais das moças, no controle vigoroso da honra de suas filhas casadoiras.
Eu sempre percorro, pela Internet, páginas românticas dedicadas à poesia. Como a Home Page da poetisa Fátima Irene (www.fatimairene.com), que, numa mistura mágica de imagem, som e palavras, transporta românticos ao cantinho aconchegante dos poemas de amor, de carinho, de dedicação.
Conheço um lugar em Descalvado que considero propício a momentos românticos. Refiro-me à Churrascaria Cabana, ali na Praça da Matriz. Há muitos anos freqüento esse restaurante, com minha família. Lembro-me do tempo no qual o atencioso José (o Zé) servia nossa mesa com Filé à Parmezziana e Filé à Cubana, pratos preferidos por todos nós. Tempos românticos aqueles, registrados nos espaços do Cabana, supervisionados pelo Pinho, e gravados em minha memória saudosista. Até hoje, toda vez que entro nesse local, revendo, lá, o Pinho e o Zé pelo salão, renasce a saudade de dias inesquecíveis marcados pelo sabor do filé à cubana e pelas graças do saudoso Joaquim, jovem ator do meu teatro TERV daquele tempo. Prova disso é este teimoso nó em minha garganta, que embargaria minha voz se tivesse que narrar esta história, mas dá forças e inspiração às minhas mãos neste teclado que, embora longe do romantismo das máquinas de escrever, existe para que eu possa transportar a todos vocês a emoção que me envolve agora, enquanto escrevo.
Noutro dia, um domingo, voltamos ao Cabana, eu e Rosária. Preparamos nossos pratos e sentamos. E mais uma vez tivemos o prazer da presença simpática do Zé:
- Uma cerveja? – perguntou, apertando-me a mão.
Passados alguns minutos, um idoso casal entrou no salão do restaurante. Cabelos totalmente brancos, andar compassado, personagens de estória antiga, seres que se apresentam de passagem aos nossos rumos para encantar nossas vidas. Eu e minha esposa os acompanhamos com olhar disfarçado. Ele chegou primeiro à mesa e, num ato de autêntico romantismo, puxou a cadeira, cavalheiro hoje somente em histórias de autores imortais. Ela pousou seu prato sobre a mesa e, cadeira ajeitada por ele, sentou-se como verdadeira senhora de alta corte. Ele, gestos elegantes, com um leve sorriso, marca indelével de amor que nunca acaba, voltou-se à cadeira oposta e, então, almoçaram. Não sabemos os nomes deles. Mas podemos afirmar que, naquele momento romântico, eles nos ofereceram o encanto de imagens fascinantes, gravadas somente na lembrança daqueles que verdadeiramente podem dizer “te amo!” pela vida toda.
Saímos do Cabana de braço dado. Nossos momentos, por instantes, foram acariciados por pensamentos poéticos, por emoções há muito não vividas. Entramos no carro e rumamos à cidade de Santa Rita do Passa Quatro, passear, jogar conversa fora e tomar sorvete no Palácio do Sorvete daquela cidade. Pode ser coisa brega, fora de moda, mas com o gosto gostoso do verdadeiro romance. Como antigamente fazíamos. Lições que nos ensinaram a fórmula simples para sermos felizes.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

RECEITA PARA HOJE


Acredite, decidi e ponto final. O que me prejudicou ontem não será lembrado hoje. Não quero arrastar coisas ruins do passado para o presente. O passado é imutável, não posso alterá-lo para corrigir meus erros. Mas hoje ainda é tempo para mudar algumas coisas. Do antigamente só quero lembrar do que me fez feliz. Daquilo tudo que me trouxe alegrias e doces emoções. Como tenho que construir cada dia, usarei a matéria-prima que conquisto hoje. Porque ontem é história e hoje...
Também não tentarei preparar o futuro como dever obrigatório do presente. E nem tenho como construir o amanhã de forma pragmática. Se uso meu tempo para buscar o melhor para amanhã, não terei tempo para realizar todos os projetos de hoje. E de uma coisa tenho certeza: na melhor construção do hoje está a melhor proposta para o amanhã.
Ajeitarei o espelho e nele colocarei minha imagem. Para início da minha motivação diária, devo me ver como alguém competente, que merece todo meu respeito. Admirarei aquele no espelho. O primeiro amigo, a quem hei de procurar, dia a dia, conhecer melhor. É assim que começarei cada manhã.
Tenho que acreditar que o dia de hoje é o mais importante da minha vida. Tenho que cuidá-lo como presente divino, único, mas compartilhável. Ele me pertence e, por essa razão, devo valorizá-lo. Permitir que meus semelhantes participem dele com alegria e satisfação. Em cada meu dia, a felicidade dos que me cercam será a inspiração da minha alegria. Essa a minha maior responsabilidade. Devo, então, viabilizar minhas jornadas sem obstáculos, removendo os empecilhos com sabedoria para que meus parceiros não sofram conseqüências dos meus eventuais descuidos. Nos meus dias habitam todos aqueles que me amam. E eu sou responsável por isso.
Nada haverá de me fazer desistir. Os obstáculos de cada dia são naturais, provas que enfrento para capacitar-me à evolução. Devo viver cada momento com determinação, com coragem. O meu grande objetivo é o meu crescimento, que depende somente de mim, das minhas ações, da minha capacidade de escolhas. Jamais perderei a esperança por piores que sejam as circunstâncias.
Compreendi definitivamente que sou responsável pela minha felicidade. Ninguém pode fazer por mim aquilo que eu não me esforce para conquistar. Portanto, neste dia, buscarei a felicidade como a mais importante obrigação da vida. E nas coisas mais simples do meu cotidiano encontrarei os objetos da felicidade. O contato com a Natureza, o animal de estimação, o sorriso dos amigos, o beijo de nossos entes mais queridos... Observar com carinho a nova flor no meu jardim, a nova canção do meu artista, o desenho, às vezes sem graça, da menininha, do menininho... O novo penteado da esposa... A gostosa gargalhada banguela do bebê, na casa vizinha... O abanar estabanado do meu cãozinho tão querido... Puxa, quanta coisa eu tenho hoje para ser feliz!
Acredite, decidi e ponto final. O que me prejudicou ontem não será lembrado hoje. Por isso, criei a receita que exponho por estas linhas. Para o dia de hoje. Se alguém que me lê quiser copiá-la, eu autorizo com muita alegria. Afinal, vocês, meus leitores, compartilham comigo os meus dias, na certeza de que eu faço o mesmo nos dias de cada um de vocês. Então, por que não buscarmos, nas coisas mais simples que nos cercam, a felicidade do dia-a-dia?

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

A MORTE DA ARANHA


Manhã descolorida, diria cinzenta. Nem os pardais, que todos os dias promovem algazarra no pé de acerola encostado na janela do meu quarto, apareceram parceiros do meu despertar. Coisa choça, sem graça. Gosto acre, sabor de nada. Quando acordamos de sono profundo e perguntamos a nós mesmos: que foi feito da noite? Profecia indesejada de algo ruim. Acordar proibido. Sem sentido, sem motivo, sem ´mea culpa´.
Movimentava-me lento, preguiçoso, tonto, arrastando o chinelo até o banheiro. Nostalgia inoportuna agarrava-me o peito. Saudade maluca, inexplicável, invadia os meus pensamentos. Não me sentia bem. Larguei-me sob o chuveiro e tentei fazer da água morna uma forma de relaxamento. Os minutos passavam e eu reclamava dos ponteiros, dos dígitos... Achei que o digital andava mais rápido que o análogo. Bobagem minha. Na verdade, tudo andava mais rápido que eu.
- O café está na mesa. Vai demorar? – anunciou Rosária.
Glicemia a 182. Pressão arterial a 16 por 12. Com certeza, bateria baixa. Carência de energia. Falta de combustível. Conquistava, então, uma certeza: eu precisava comer! Fazer exatamente o que a proprietária da teia (que a faxineira não viu) fazia no canto da parede. A pequenina aranha demonstrava apetite, coisa que não ocorria comigo. Eu parecia preso numa gigantesca teia. Dificuldade para me locomover... E comecei a pensar nelas, nas aranhas. Veja, o corpo das aranhas é formado por dois segmentos, diferente dos insetos que possuem três. Tem uma estrutura rígida, revestida por um exoesqueleto. Elas têm oito pernas. Aí, perguntei-me: pra que tantas, não é? E nova pergunta me fiz: que coisa besta é essa de ficar pensando em aranhas? Meu tempo estava passando por mim sem que eu o acompanhasse?
Enfim, deglutir era necessário... E rápido, porque o tempo, como já afirmei, passava sem dó da minha indolência. Engoli o básico. Tomei os remédios de todo o dia, beijei a Rosária e pus-me porta à fora. Cheguei no trabalho no horário. Minha sala já estava aberta. O café na garrafa térmica a postos no seu local de costume. Encostei meu laptop na parede, acomodado no chão. E sentei-me ainda bastante sonolento.
- Seu Roberto, venha ver uma coisa. – o Gaspar, meu companheiro de trabalho, pedia a minha presença. Ele estava parado, no meio do salão de eventos. Apontava-me a parede à nossa frente. E lá estava a razão do seu chamado. Uma enorme aranha preta, bem no meio da parede. Aproximadamente dez centímetros de diâmetro, a partir da extremidade de suas pernas. Imagem assustadora e, ao mesmo tempo, obra de arte da Natureza. Estava estática, talvez temendo por nossa presença. Quem sabe, pronta para atacar. Não sei se era o caso daquela, mas há algumas que saltam em cima da gente. E eu temia um contra-atraque inesperado. Quem sabe, era exatamente a teia daquela ali que me segurava desde que despertei naquela manhã cinzenta.
O Gaspar sumiu de repente e de repente voltou. Trazia um inseticida spray decidido a enfrentar o bicho.
- Gaspar, aranha não é inseto. Aranha pertence à família dos Arachnida. É parente dos escorpiões, dos carrapatos e dos ácaros... – o Gaspar não deu importância ao que eu lhe dizia e lançou a primeira lufada venenosa sobre a inimiga.
- Gaspar, isso não vai adiantar. É capaz de irritar a bichinha e ela nos atacar...
A ação do Gaspar foi devastadora. A aranha tentou movimentar-se pela parede, mas não conseguiu; despencou. Gaspar descarregou a vaporosa munição sobre a vítima do nosso pavor. No chão, ela deu várias cambalhotas e procurou andar. Com dificuldade, arrastou-se em minha direção. Fiquei inerte. Não saí do lugar. Viria pedir-me socorro? Mas no meio do caminho ela parou. Contorceu-se, mais uma ou duas cambalhotas e esticou para cima as oito pernas, visão que me perturbou. A morte é patética. Não é um espetáculo para se ver, como fazíamos eu e o Gaspar naquele momento. Ali parados, sinistros, silentes. Depois de instantes, ela se encolheu toda, juntando todas as pernas ao seu corpo. E morreu.
Enquanto o Gaspar, com uma vassoura, levava a aranha morta para fora do salão, eu retornei à minha sala. Sentimento mórbido atacou-me como veneno aos meus pensamentos. Sem sentido, sem motivo, com ´mea culpa´. Uma vida fora roubada à Natureza sem que eu fizesse algo para impedir... A morte daquela aranha mostrou-me a fragilidade da vida. E o que é indiferença. Somos muito pequenos diante do poder que temos, mas não dominamos. Com sprays que lançam vapores, balas, lâminas afiadas, bombas etc, destruímos o que construímos. É a lei do ser mais inteligente do planeta, o que fazer?
O telefone tocou.
- Meu bem, você nem imagina! A orquídea branca está cheinha de botões... – a Rosária colocava um raio de luz no sol do meu céu, agora nem tanto cinzento.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

PAI, ONDE ESTA VOCE?


Ponho-me à janela dos meus setenta anos. É noite. A insônia faz-me vigilante da madrugada. Percorro, com o olhar, as vias da vida que, adormecida, me representa pouco neste momento. Tenho saudades. Falta-me o ombro no qual me apoiei por muitos anos.
Como é linda a noite do céu. Espetáculo iluminado por milhares de luzes multicoloridas. Lá está o Cruzeiro do Sul... As Três Marias...Tenho admiração pelo universo. Freqüentemente, a bordo da minha imaginação, viajo entre as galáxias. Percorro planetas e estrelas como andarilho do infinito. Acomodo-me em satélites mesmo os desconhecidos. Aspiro o nada do vácuo eterno. É assim que minha mente traduz a fantasia que me envolve. Como um ser etéreo, síntese de tudo que a alma encerra. Um ser distante, empurrado pela nostalgia latente no meu peito. Como coisa sem nome a espera de novo batismo, essencial para ver você novamente, pai.
- Pai, onde está você?
Meus olhos acompanham, lá embaixo, a rua deserta, semi adormecida. Pais e filhos, neste instante de noite, recolhem-se aos sonhos mútuos. Cúmplices em campanhas comprometidas com o amanhecer de um novo dia. Não há carros nas vias. Não ocorrem movimentos nas calçadas. Apenas um supor melodramático de ensaios da morte, o sono, não o sonhar. Porque há vida no quarteirão da minha rua. Só e eqüidistante do privilégio de estar com você, pai, cultivo a inveja daqueles que, lado a lado, possuem o maior amigo de todo o sempre.
- Pai, onde está você?
Retorno ao interior dos meus aposentos. Recorro às prateleiras do meu conhecimento. Livros de histórias... Busco nas páginas amareladas das minhas recordações alguma sensação de encontro. Alguma idéia mágica, misteriosa, que me proporcione o aperto de mão que me falta. O velho olhar que ilumine meus caminhos finais. Não quero partir sem ver você, pai, mais uma vez. Preciso da sua força que me fazia enfrentar todos os moinhos de vento da minha insegurança. E me propunha a vitória em seu nome, como guardião dos meus sentimentos.
- Pai, onde está você?
Deixe-me abraçá-lo como nunca o fiz, meu velho. Agradecer, pessoalmente, todos os momentos que você dedicou ao meu conforto. Darmo-nos alguns minutos de conversa, como o fizemos algumas vezes no passado. Falar do Palmeiras - lembra? - continuando aquele bate-papo interrompido com sua inesperada partida.
- Pai, onde está você?
Permita-me apresentar a você meus filhos adultos. E meus netos nascidos também de você, pai. Permita-me dizer que o amo, não importa onde você esteja. Quero dizer que sinto muito pelo atraso do meu amor pleno. Quero dizer que a minha gratidão, pelo que você me fez e pelo que sou, há de se perpetuar no universo das nossas histórias. Onde eu sei que você está agora e estará para todo o sempre.

A todos os pais. E que os filhos os cultuem enquanto vivos, enquanto presentes.