GESTOS PERIGOSOS

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

PAI, ONDE ESTA VOCE?


Ponho-me à janela dos meus setenta anos. É noite. A insônia faz-me vigilante da madrugada. Percorro, com o olhar, as vias da vida que, adormecida, me representa pouco neste momento. Tenho saudades. Falta-me o ombro no qual me apoiei por muitos anos.
Como é linda a noite do céu. Espetáculo iluminado por milhares de luzes multicoloridas. Lá está o Cruzeiro do Sul... As Três Marias...Tenho admiração pelo universo. Freqüentemente, a bordo da minha imaginação, viajo entre as galáxias. Percorro planetas e estrelas como andarilho do infinito. Acomodo-me em satélites mesmo os desconhecidos. Aspiro o nada do vácuo eterno. É assim que minha mente traduz a fantasia que me envolve. Como um ser etéreo, síntese de tudo que a alma encerra. Um ser distante, empurrado pela nostalgia latente no meu peito. Como coisa sem nome a espera de novo batismo, essencial para ver você novamente, pai.
- Pai, onde está você?
Meus olhos acompanham, lá embaixo, a rua deserta, semi adormecida. Pais e filhos, neste instante de noite, recolhem-se aos sonhos mútuos. Cúmplices em campanhas comprometidas com o amanhecer de um novo dia. Não há carros nas vias. Não ocorrem movimentos nas calçadas. Apenas um supor melodramático de ensaios da morte, o sono, não o sonhar. Porque há vida no quarteirão da minha rua. Só e eqüidistante do privilégio de estar com você, pai, cultivo a inveja daqueles que, lado a lado, possuem o maior amigo de todo o sempre.
- Pai, onde está você?
Retorno ao interior dos meus aposentos. Recorro às prateleiras do meu conhecimento. Livros de histórias... Busco nas páginas amareladas das minhas recordações alguma sensação de encontro. Alguma idéia mágica, misteriosa, que me proporcione o aperto de mão que me falta. O velho olhar que ilumine meus caminhos finais. Não quero partir sem ver você, pai, mais uma vez. Preciso da sua força que me fazia enfrentar todos os moinhos de vento da minha insegurança. E me propunha a vitória em seu nome, como guardião dos meus sentimentos.
- Pai, onde está você?
Deixe-me abraçá-lo como nunca o fiz, meu velho. Agradecer, pessoalmente, todos os momentos que você dedicou ao meu conforto. Darmo-nos alguns minutos de conversa, como o fizemos algumas vezes no passado. Falar do Palmeiras - lembra? - continuando aquele bate-papo interrompido com sua inesperada partida.
- Pai, onde está você?
Permita-me apresentar a você meus filhos adultos. E meus netos nascidos também de você, pai. Permita-me dizer que o amo, não importa onde você esteja. Quero dizer que sinto muito pelo atraso do meu amor pleno. Quero dizer que a minha gratidão, pelo que você me fez e pelo que sou, há de se perpetuar no universo das nossas histórias. Onde eu sei que você está agora e estará para todo o sempre.

A todos os pais. E que os filhos os cultuem enquanto vivos, enquanto presentes.

Nenhum comentário:

Postar um comentário