GESTOS PERIGOSOS

quinta-feira, 9 de abril de 2009

UMA HISTORIA CHAMADA VIDA, PAIXÃO


Sexta-feira de uma semana santa. Feriado no país. No estado, na cidade... Na fazenda. Onde Severino trabalha no campo. Na terra, camponês. Mãos calejadas, que esfregam o sabão no rosto sulcado pelo sol de todos os dias. Severino, homem que só tem um bem. Zezinho, menino de seus sete, oito anos, que reflete o futuro que o pai não viu. Menino sem mãe. Como troca de vida no ato do parto. Severino de poucos livros, Zezinho de poucas letras. Ambos, na sua infinita inocência, apóstolos da humildade que Ele tanto pregou.
Zezinho veste-se com a única calça de brim, que ganhou de aniversário. Escolhe a camisa azul, deixando a branca na mala de lona embaixo da cama. Penteia com jeito os loiros cabelos, escova os dentes como aprendeu na escola e amarra os cordões do tênis já gasto pelas pedras dos caminhos. Andar lento, caminha até a porta de seu quarto, olha para o céu e sorri. O sol lá está, correspondendo com sorriso cheio de luz. Cumplicidade de menino e sol, desenhando cenário incomparável nas telas da existência.
Severino segura o filho pela mão. E saem, ambos, pela estrada de terra que acessa o mundo. Zezinho nunca foi à cidade. Primeira vez. Estréia de espetáculo inesquecível, que abre as cortinas dos olhos e apresenta toda a cor da vida. A longa caminhada começa a ser compensada pelo prazer de ver. Carros de todos os tamanhos, de todas as formas, de todas as posses passam lentos e velozes. Levantam poeira, às vezes terra. Levantam sonhos ocultos sob os tapetes do desconhecido até então. Pessoas atravessam praças, calçadas, bueiros, buracos... Cavalos, cachorros, carroças e promessas de muitas coisas ao passar de seus passos.
Severino pára diante de uma vitrine. Observa com olhar distante um terno vestindo um manequim. Zezinho contempla o boneco à sua frente e o compara com seu pai em pensamento. Não são parecidos, mas seu pai ficaria melhor naquela roupa. Outras vitrinas, outras visões, outros delírios mágicos na mente de um pequenino camponês.
- Pai, o que é aquilo?
- É a Paixão de Cristo. - Severino sorri. – São pessoas que gostam de contar a história de Jesus. E Jesus Cristo está logo ali, numa cruz, morrendo para nos salvar.
Mãos dadas, atravessam a multidão de espectadores. Colocam-se bem à frente do ator crucificado, empanando os olhos do pequeno Zezinho, que deixam escapar duas lágrimas tímidas. Com as suas mãos apertando as mãos do pai, Zezinho abaixa a cabeça. Não que ver mais. Para que? E força a saída de ambos daquele local dramático.
De volta, Severino entra num bar para beber algo. Zezinho fica na porta, triste. Observa tudo à sua volta. Tudo à sua volta, para o Zezinho, não tem sentido.
- Um dia Ele vai voltar... – alguém no bar assegura.
- Ele já voltou, moço. – fala o Zezinho - Eu vi Ele lá em cima, pregado na cruz. E também vi muita gente perto dEle, olhando pra Ele. Mas não vi ninguém com vontade de salvar Ele. Tirar Ele daquela cruz. Tirar aquela cruz de lá...
Severino pagou o que bebeu, pegou na mão do Zezinho e pôs-se em retirada. O passeio não foi lá essas coisas ao menino, mas ele percebeu, na sua infinita ingenuidade, que poucas pessoas estariam dispostas a arrancar definitivamente a cruz de uma história chamada Vida,Paixão, Morte e Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Que o sentido verdadeiro da Páscoa seja-nos de todos os dias.

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