GESTOS PERIGOSOS

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

AS VIÚVAS DO SARGENTO PAU D' AGUÁ


“Amanhã, às 15 horas, sairá o féretro do velório na casa do memorável falecido, na Rua das Tordesilhas, número 96, em séqüito a pé, diretamente para o Cemitério das Saudades”. – aviso afixado à porta do sobrado onde o corpo estava sendo velado.
Sempre foi um homem simples, diríamos a primeira vista, puro, bondoso, um verdadeiro cavalheiro. Nascido de família humilde, estudou em escolas públicas até o ginásio. E concluiu o curso de perito em contabilidade, origem da sua profissão. Ozório da Silva Pernila fez o Tiro de Guerra na cidade de Ordenha, vizinha da sua pequena Moreba. Nessa época Ozório ganhou o apelido de Sargento, principalmente porque batia continência para todos que lhe cruzavam os caminhos. Era sua maneira enfática de cumprimentar. Hábito adquirido nos tempos do serviço militar.
O Sargento Ozório não foi moço de aventuras amorosas, diziam. Guardava-se, assim afirmava, para o casamento. Que haveria de ser com moça virgem, prendada e, principalmente, fiel. Por essa razão não teria pressa para encontrar sua alma gêmea. A descoberta deveria ser ao acaso, quando o amor mútuo desabrochasse ao trocar dos primeiros olhares. O que aconteceu aos seus vinte anos de idade. Namoraram, Sargento Ozório e Magdalena, noivaram e casaram ao tempo de três meses. Tudo muito rápido. Como rápido apareceram os sete filhos, um após outro, com intervalo de dez meses entre cada um. Essa derrama de rebentos desencadeou a ruína de Magdalena, de seu corpo antes escultural. E de seus nervos que, estressados, não poupavam diariamente o então infeliz do Sargento Ozório.
Passou a beber, ele. Desgostava-se voltar para casa depois de um dia de trabalho. Por esse motivo, alguns críticos o chamavam de Pau D´Água, o segundo apelido do pobre Ozório. Sargento Pau D´Água, pobrezinho. Dava pena vê-lo cambaleante buscar a fechadura da porta de sua casa. E de vê-lo tomar porradas quando dona Magdalena ajudava-o a entrar.
Moreba fazia cruzamento de linhas ferroviárias. Havia trem de norte a sul e de leste a oeste. E vice-versa. Esse privilégio da cidade oferecia oportunidades ao Sargento Pau d´Água, o Ozório, para trabalhar em empresas da região. Contabilidade era o seu ofício, como já disse. Assim, duas vezes por semana Ozório, o Sargento Pau D´Água viajava aos municípios vizinhos em busca do ganha pão. Vida sacrificada comentavam todos, o que gerava muita pena do contador.
O cortejo fúnebre caminhava lento rumo à última morada do Ozório. Todos a pé, menos evidentemente o caixão carregado por uma simples carroça. A viúva com os sete filhos à frente, não contendo as lágrimas que lhe lavavam o rosto. Acompanhavam-lhe o padre, o prefeito, alguns vereadores, o farmacêutico e outras autoridades locais. Além do povo, evidentemente. De repente, numa das ruas perpendiculares, surge mulher vestida de preto acompanhada de sete jovens, todos de luto. E do outro lado, outra mulher com sete crianças, também todas de luto. E outras... E outros... Meu Deus! Ao todo, sete mulheres, cada uma com sete filhos. Originárias de cidades vizinhas. Ao que se pode concluir, sete viúvas do cafajeste do Sargento Pau D´Água, que se entreolhavam desconfiadas, mas em silêncio. Sete maravilhas do mundo, sete correntes do espaço, sete cornos do demo, sete viúvas... Além de safado, o homem era cabalístico.
Notava-se a revolta de todos. O padre benzia-se a todo instante. Depositaram o caixão ao lado da sepultura. Silêncio absoluto. Magdalena, verde de tanta indignação, procurava manter-se em nível superior. Mas não mais chorava. Ninguém se arriscava a falar sobre o morto. As viúvas ladearam a principal, Magdalena. Cada uma com seus rebentos à frente. Em profundo silêncio. Nenhuma lágrima, nenhuma emoção de tristeza. Somente expressões de quem descobriu muito tarde a maior farsa de suas vidas.
- Morfético! – uma das viúvas apresentou seu ódio. E desencadeou reação nunca vista num enterro. Em vez de flores, a turba despejou pedras no ataúde. Palavrões, dos mais ousados, irromperam no local, todos para a degradação da alma do fulano. E retiraram-se sem que o falecido descesse à tumba. Só restou o coveiro, sentado ao lado do ataúde, fumando um cigarro de palha.
- Eu te absolvo, companheiro. – disse o sujeito, benzeu-se e atirou o cigarro no fundo do buraco. E terminou o seu trabalho, aliás, com muita propriedade.

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