GESTOS PERIGOSOS

sexta-feira, 13 de março de 2009

BOI DE BOCA LARGA


Rômulo nasceu pobre. Mas aos 14, 15 anos, Rômulo viu seu pai entrar no comércio dos touros, bois e vacas. Criador, digamos assim. Comprava, procriava e vendia. Entre um negócio e outro, o pai do Rômulo conseguia juntar alguns trocados para o futuro. Coisa pouca, mas alguma coisa. Assim, aos poucos, entre um bezerro e outro, o pai do Rômulo, de alguns bois fez boiada. Não numerosas rezes, mas já não decepcionava.
Lá pelas tantas, já no verdor de seus 30 anos, Rômulo viu seu pai partir para outros prados, talvez mais azuis do que verdes. Sobrou para Rômulo um pedaço de terra e um punhado de touros, de bois e de vacas. Coisa pouca, mas alguma coisa. Mais ou menos animado, Rômulo encaminhou sua vida ao comércio dos touros, bois e vacas. E já demonstrava orgulho de seu trabalho, admirando cada bezerro que nascia em sua terra, quando algo inusitado o decepcionou.
- De boca larga? – perguntavam espantados alguns.
- Sim, um bezerro de boca larga. – respondia, choroso, o pobre Rômulo. – E meu pai foi o culpado, pois me deixou machos de má qualidade.
Rômulo, depois de algum tempo, resolveu entrar no comércio de boi de corte. Queria diversificar. Comprar, procriar e vender já não era tão atrativo financeiramente. No comércio de boi de corte, poderia até exportar. Receber em dólar. Já imaginaram Rômulo contanto dólares? Valia a pena. E tentou daqui, tentou dali...
- De boca larga? – outros espantados perguntavam.
- Sim, um touro de boca larga. – respondia, choroso, o pobre Rômulo. – O sócio do meu pai foi o culpado, pois só trazia machos de má qualidade para nossa terra e meu pai os aceitava.
Mas o negócio de boi de corte não deu certo. Faltava-lhe volume de carnes para negociar bem. Os pedidos suplantavam o estoque. E Rômulo perdia contratos, perdia dinheiro. Com a oferta menor, as propostas diminuíam, a concorrência vencia, o Rômulo perdia.
- De boca larga? – perguntavam espantados tantos outros.
- Sim, um boi de boca larga. – respondia, choroso, o pobre Rômulo. – A vaca que o pariu foi a culpada, trazida pelo sócio do meu pai e meu pai a aceitou.
Sem pensar muito, virou seu comércio para a produção de leite. Separou as vacas mais tetudas, pois achava que pelo tamanho dos peitos a quantidade diária de leite seria maior. Juntou banquinho, balde, luvas... Rômulo especializou-se em ordenhar vacas, as poucas vacas para pouco leite. Coisa pouca, mas alguma coisa.
Rômulo não viu o bezerro de boca larga crescer alimentado pelo leite da vaca que o gerou. Rômulo não viu o touro de boca larga ser castrado não sei por quê. Rômulo não viu o boi de boca larga ser abandonado no pasto como algo sem serventia, inútil. Para que serve um boi de boca larga? Como reprodutor, uma blasfêmia contra a Natureza. Para corte, uma temeridade para a saúde pública. Para produzir leite... Já não era macho, mas também não era fêmea. Aquele bicho de boca larga não servia mesmo pra nada. Não era nada! Rômulo pensava assim e por isso não o via.
Um dia, não muito aquém do começo de tudo, Rômulo viu o seu comércio falir. O seu mundo ruir. E sua vida ir parar no meio do pasto. Ao lado de um boi de boca larga.
- Você precisa reconhecer as leis que estão regendo a sua vida e ter coragem para mudá-las. - disse-lhe o boi de boca larga.
- Você fala? – perguntou Rômulo, completamente confuso e amedrontado.
- Para isso tenho a boca larga. O que para você é um terrível defeito, para mim é benção divina.
- Mas por que não descobri isso antes, meu Deus?
- Porque você sempre fez as mesmas coisas. Sempre viu as mesmas coisas. Em conseqüência, sempre recebeu as mesmas coisas. Além disso, sempre colocou sobre os outros a culpa de seus inúmeros erros. Eu fui uma idéia nova. Fui uma esperança. Fui a possibilidade de mudar o seu caminho antes da sua derrocada. Mas você não me viu. Não me entendeu.
- Foi o destino, boi da boca larga.
- O destino destina e nós fazemos o resto. Não há caminhos feitos. Nós os fazemos à medida que caminhamos. Por falar nisso, vem comigo?
- Para onde você vai?
- Para algum lugar que me dê satisfação. Se você agora me vê como uma boa idéia, siga-me. Lembre-se de que somente um boi de boca larga restou para você.
Há quem diga que um homem muito velho e um boi de boca larga atravessam caminhos pelo mundo todo. O boi fala e o homem escuta. E aqueles que entenderem a fala do boi e o silêncio do homem serão os senhores absolutos de seus próprios caminhos. Pode até ser coisa pouca, mas alguma coisa, com certeza.

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