GESTOS PERIGOSOS

quinta-feira, 19 de março de 2009

LENDA DA MULHER DOS SEIOS RUBROS


Com meus treze anos, não me era difícil aventurar-me pela região onde eu morava. Tarefas diárias cumpridas, pegava minha bicicleta e, muitas vezes, sem rumo, viajava pelos segredos da juventude, buscando liberdade. Visitava ruas e ruelas. Conhecia o desconhecido. Desvendava mistérios. Coisas de menino curioso, desbravador de sonhos. O vento acariciava meu rosto enquanto eu pedalava tentando encontrar o horizonte. Quem sabe alcançar o outro lado do arco-íris e achar o tal tesouro dos contos de fada. Olhares panorâmicos me forneciam detalhes de janelas e sacadas, de flores e pássaros, de pessoas das mais diferentes aparências... Um cão acolá urinava na sacola da senhora distraída. Meninos, como eu, encenavam um jogo de futebol. Meninas, acomodadas na calçada, amamentavam bonecas com mamadeiras improvisadas. Minhas sensações davam-me a entender que eu descobria o mundo no pequeno espaço coberto pelas rodas da minha bicicleta.
Numa noite, reunido aos colegas de rua na calçada da Mercearia Brazão, falávamos de assuntos próprios das nossas idades. Tirávamos dúvidas, revelávamos conhecimentos, discutíamos com tal empenho que parecíamos membros de organização governamental. Fazíamos nossas leis como legisladores de nossas relações. Isto pode, aquilo não! A proposta constituía-se em proteção, nossa proteção, em razão de perigos irrelevantes, mas que, naquele pedaço de vida de cada um, tomavam proporções alarmantes.
- Nenhum de nós deve provocar o Tico Doido. Ele não é bom da cabeça e pode agredir qualquer um de nós sem mais nem menos. – disse o Godofredo.
- Nem passarmos pela Ilha Maldita no dia 30 de agosto, à meia-noite. A mulher dos seios rubros aparece e pode jogar maldição na gente. Foi minha mãe quem falou. – avisou o Júnior Italiano.
Coisas do encanto. Lendas que envolvem nossa existência como fatos mágicos que, de certa forma, enriquecem nossos arquivos fantásticos. Próximo de nossas casas havia um lugar chamado Ilha Maldita. Uma rua sem saída, um beco estranho, envolvido em mistérios. Alguns barracos espetados em chão de terra batida abrigavam famílias bem pobres. Por ali, não passavam carros, nem carroças, nem pessoas, a não ser residentes. Muitas estórias pululavam pelo cenário daquele lugar. Coisas de mistérios, de segredos, incompreensíveis, quiçá inacreditáveis... No fundo do beco, exatamente onde era interrompida o que seria a continuação da rua, intransponível bambuzal. Contava-se que ali, atrás de tantos bambus, uma casa de madeira, abandonada, guardava estória dramática. Lá viveu um casal. Ele, Jorge, bem mais velho que ela, a Miriam. Jovem, corpo bem definido, ela acabou por seduzir um rapaz das redondezas. Encontravam-se na casa dela, sempre que o marido, viajante, deixava a cidade. Certa noite, 30 de agosto, Jorge, por motivos desconhecidos, voltou antes do esperado. E no instante que se aproximava de sua casa, pode ver Miriam abrir a janela do seu quarto. Estava nua e mostrava os fartos seios à luz do luar. Atrás de Miriam estava o amante. Jorge, sem perda de tempo, sacou do revolver e atirou. Uma só bala atravessou o peito de Miriam e alojou-se no coração do amante. Os fartos seios de Miriam cobriram-se de sangue. E a tragédia perpetuou-se como lenda. Todo dia 30 de agosto Miriam aparecia na janela da casa abandonada.
No dia fatídico de aniversário da tragédia, não perdi tempo. Não temi a falada maldição. Inventei alguma coisa aos meus pais para justificar o tardar no retorno para casa e rumei para a Ilha Maldita. Queria ver de perto o que o povo descrevia. No local, afastei alguns bambus e, com dificuldade, pude ver a tal janela. Lá pelas tantas, uma formosa jovem apareceu. Tinha os lindos seios à mostra e um vulto de homem atrás do seu corpo nu. Eu estava extasiado com o que via. De repente, um estampido. Os seios de Miriam tornaram-se vermelhos, cor de sangue. Aos poucos, a imagem naquela janela desvaneceu-se, sumiu. Arrepiado, fugi daquele lugar. O horror tomara conta de meu ser. Conferi a veracidade da lenda? Ou não? Se foi coisa da minha imaginação, não sei. Prevenido, nunca mais me aproximei do sinistro bambuzal.
Roberto Villani

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