GESTOS PERIGOSOS

sexta-feira, 27 de março de 2009

GOOOOL!!! DE CHUTEIRA?????


Charles Miller trouxe a primeira bola de futebol para o Brasil, em 1894. Nem imaginava o que a gorduchinha, como diria Osmar Santos, promoveria entre os brasileiros. Fascínio, posso dizer. Algo indescritível, até alucinante, ora místico, ora vulgar. Deus e o diabo nas sendas dos certames. Guerra e paz. Amor e ódio. Todos os sentimentos opostos, extremos, declarados em punhos fechados esmurrando o espaço. Em bocas abertas de dor e alegria. O despertar dos magos. O elixir dos reis. Máquina de fazer milionários e miseráveis. Êxtase dos deuses míticos. Tudo e nada. Vitória e derrota. Gargalhadas e prantos intermináveis. Infarto! Futebol!
Sempre que entramos no clima de final de algum campeonato lembro de histórias interessantes. Fatos que marcaram minha vida de futebolista, nos priscos tempos da minha juventude. Eu tinha um vizinho apaixonado por futebol. Santista roxo. Conversávamos muito sobre pelejas diversas. Discutíamos muito quando o assunto girava por comparações entre o Alvinegro da Vila Belmiro e o Palmeiras. Mas estávamos sempre de acordo nas demais questões do popular esporte.
João Forganes, o meu vizinho, já tinha dois filhos. Evidente que era mais velho. Eu, adolescente, procurava extrair dele ensinamentos sobre a vida. Como um irmão mais velho. Por isso, não me incomodava quando, a cada gol do Santos, ele colocava o rádio sobre o muro divisório e aumentava exageradamente o volume. Eu sempre lhe dava o troco. Nos gols do Palmeiras, eu saltava o mesmo muro e, invadindo a varanda da sua casa, cantava em alto e bom tom o hino palmeirense. Jogo findo, reuníamos na rua, em frente às nossas casas, e ríamos muito, gostosas gargalhadas de amigos sobre todas as coisas.
- Vamos fundar um time? – perguntou-me o João, pegando-me de surpresa.
- Para quê? – pergunta idiota.
- Para que queremos fundar um time? Para jogarmos futebol, ora!
Goiás Futebol Clube, nome dado em razão dos vários jogadores residentes na Rua Goiás. Camisa verde. Calções e meias brancos. Presidente, vice, secretário, tesoureiro, conselho... Livro de atas. Coisa organizada. Treinávamos num campo da Ponta da Praia. Jogávamos, a princípio, para testar nossas equipes. Primeiro e segundo times. Amistosos sem compromissos. Assim, aos sábados ou domingos, visitávamos bairros e cidades da região, enfrentando adversários buscando os mesmos fins.
De repente, estávamos no meio de um campeonato varzeano. Times de Santos, Guarujá e São Vicente. Nossa valorosa equipe mostrava competência e avançava na tabela. Modéstia à parte, tínhamos um bom grupo. A empolgação de nossos companheiros jogadores animava nossa torcida a nos acompanhar em cada partida. Já se via nas arquibancadas camisas verdes enfocando nosso querido Goiás. Havia sempre, num canto qualquer, alguns batuqueiros fazendo barulho. Cada jogo, uma festa inesquecível.
Alcançamos, finalmente, a final. Jogaríamos no campo do adversário, o Juventus. Cidade de São Vicente. 1956, o ano. Nossa turma sabia que a disputa seria muito difícil, principalmente porque teríamos que vencer. Ao Juventus bastava o empate, pois o saldo de gols dava-lhe essa vantagem. E fomos ao campo com a certeza da vitória.
O jogo mostrava-se emocionante. Oportunidades dos dois lados. Os gols não aconteciam, mas as torcidas agitavam-se animadíssimas. Minutos finais, dois ou três. Tudo indicava que o Juventus levaria a taça. De repente, nosso lateral direito avançou pela ponta, velocidade não acompanhada pelo seu marcador. Quase na linha de fundo, cruzou em direção à pequena área. O goleiro do Juventus, na ânsia de agarrar a bola, saltou, conseguiu mal-e-mal dar um tapa na gorduchinha e trombou violentamente no meu marcador. A bola subiu e, para meu gáudio, sozinho diante do gol totalmente aberto, caia em minha direção. Bastava tocá-la, ela entraria. Uma barrigada seria o suficiente. Com o joelho... “Sopra!”, alguém na torcida gritou. Aquela seria minha grande chance de estufar a rede. A consagração. Meu Goiás seria campeão com um gol meu. E a ação concretizou-se. Da forma que ela, a bola, desceu, subiu a pino, como foguete rumo ao espaço sideral. Meu chute foi tão violento que minha chuteira escapou do meu pé e entrou na forquilha esquerda do gol adversário. “Gooool!”, gritaram todas as torcidas do mundo. E sob estrondosa gargalhada de todos que ali estavam, deixei o gramado para nunca mais esquecer o ridículo.

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