GESTOS PERIGOSOS

sábado, 18 de julho de 2009

A ALIANÇA PERDIDA

As noites claras à beira mar são muito bonitas. Quem já teve o privilégio de vê-las, ao vivo como se diz, sabe do que estou falando. O oceano torna-se azul escuro, com reflexos de prata bem embaixo da lua. Se o mar está calmo, percebe-se estrelas boiando ao passar das ondas, como crianças brincando no balanço da maré. Coisa linda! De Poeta. Quando Deus escreve poemas nas laudas marítimas. Quando o amor deita-se na areia ao sabor salgado do mar.
Foi numa noite assim que esta história começou. Eu ajudava um grupo de pescadores de camarão. Na praia do Embaré, em Santos. Acreditem, há muitos anos, pescava-se camarão por lá. A água do mar era tão limpa que podíamos ver os nossos pés às voltas com siris. Tinha de tudo, lá. Além dos camarões e dos siris, conchas, estrelas do mar, pequenos cardumes, bagres...
A pesca era feita com arrastão de praia, aquele tipo de rede baixa e longa no comprimento. Vários homens seguravam essa rede ao longo dela e entravam no mar até onde fosse possível permanecer de pé. Com a rede já posicionada, totalmente esticada sob a água, ficávamos em silêncio, imóveis. Depois de algum tempo, começávamos a caminhar em direção da areia, arrastando a rede encostada no fundo. Os homens que a seguravam pelas pontas fechavam mais rápidos, de modo que formávamos um semicírculo. Já na areia seca, podíamos ver o que fora arrastado para fora do mar. Os peixes que não interessavam ao grupo eram jogados de volta. Restavam peixes maiores, lixo e os famosos camarões. Eu ganhava quase nada nesse trabalho, a não ser uns poucos camarões. Ajudava pelo prazer.
Numa dessas pescarias, quando estávamos posicionados para arrastar a rede, meu pé esbarrou em alguma coisa na areia embaixo d’água. Procurei identificar o objeto tocando-o com os pés, mas temia que ele desaparecesse no fundo movediço do mar. Soltei a rede e afundei para apanhar a coisa. Quando retornei à tona, na minha mão estava uma aliança. Não comentei com ninguém. Guardei-a no bolso do calção. E continuei agarrado no arrastão de praia.
No lado interno, um nome gravado. Embora soubesse o nome do dono da jóia, investiguei entre os pescadores se algum deles havia perdido uma aliança. Ninguém. Nenhum conhecido. Então, resolvi mantê-la num barbante amarrado na corrente que eu trazia no pescoço.
Dias depois, num sábado à tarde, deu-me uma vontade irresistível de passear pelos lados da "Biquinha", na cidade vizinha de São Vicente. Montei na bicicleta e rumei célere para lá. Desejava sentar-me na praça, em silêncio, e meditar um pouco. Acomodei-me num banco protegido pela sombra de uma encantadora árvore. Dezenas de pombas procuravam gulodices pelo chão. Crianças passavam saboreando doces, sorvetes... Algodão doce (que saudade!)... Casais de namorados nas muretas, nos bancos, caminhando abraçados pela praça...
- Você vai me desculpar, mas eu não aceito o que você fez. – disse-lhe ela, aparentemente nervosa. Um casal sentara ao meu lado, naquele banco da praça.
- Mas meu amor, foi num momento de raiva. Eu não tinha a intenção...
- Tudo bem. Se você não vendeu a aliança, mostre-me ela. Se você realmente não tinha a intenção de me deixar, a aliança é a prova.
A história da aliança deixou-me curioso.
- Eu a perdi no mar, acredite. Não sei o que aconteceu... – justificava ele.
- Não acredito. Pra mim, você se desfez dela. E eu sei como você é por dinheiro.
- Como é seu nome? – perguntei-lhe de súbito.
- Carlos! – respondeu-me sem me olhar.
A aliança era dele, com certeza. Muita coincidência dois Carlos jogarem a aliança no mar. Disfarçadamente, arranquei-a do barbante e, num ato rápido, coloquei-a no bolso do casaco do Carlos. Ninguém viu. Nem ele, nem ela.
- Não quero saber. Quero ver a aliança e pronto! E agora!
- Tá no bolso do seu casaco, seu m... – disse-lhe eu, ao seu ouvido, dando-lhe um tapa no ombro. E procurei afastar-me. O Carlos, embaraçado, certamente confuso, olhava para mim enquanto tirava a aliança do bolso do casaco.
Já distante, pedalando minha bicicleta, com o alívio da boa ação praticada, olhei para trás e vi o tal casal num longo beijo de amor. De reconciliação. E, com certeza, entendi, mais uma vez, que Deus manteve-se anônimo naquele acaso de coincidências.

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