GESTOS PERIGOSOS

sexta-feira, 10 de julho de 2009

É SÓ UMA IDEIA


Qual seriam os níveis de miséria no mundo, de pobreza total, se todo o Conhecimento humano fosse distribuído, por equidade, em toda a humanidade?
Tinha lá meus doze, treze anos.
Cursava o ginasial.
Não era, confesso, um aluno exemplar. Mas não decepcionava.
E tal condição era o bastante para minha saudosa mãe exagerar nos elogios ao seu único filho. Tanto assim que, num belo dia, recebemos a visita de uma de suas amigas. Mulher simples, pobre, que lutava para manter seu filho em escolas públicas.
- Dona Tita, vim aqui pedir um favor à senhora. Meu filho está para fazer os exames de admissão para o “Canadá” (uma escola estadual). Ele não está bem nos estudos... Será que seu filho não dava umas aulas de reforço pra ele?
Exames de admissão...
Não me deixaram saudades.
Para ingressar no primeiro ano do curso ginasial era obrigatório o exame de admissão. Uma espécie de vestibular, nas devidas proporções, com as mesmas complexidades, com as mesmas angústias e ansiedades. Um horror!
Eu já havia superado essa fase, mas o Elias não.
O filho daquela senhora.
Então, por interferência de minha mãe, iniciei minha carreira de professor. Duas vezes por semana, o menino Elias vinha à minha casa para aprender o que eu tinha de conhecimentos para ensinar.
Um pouco de português, outro tanto de aritmética... E assim, as tardes de terças e quintas enriqueciam meu modesto currículo de vida com a missão de servir.
Contudo, sem muitas emoções. Na verdade, eu fazia tudo aquilo para atender um pedido materno.
“Meu filho é um professor!” – dizia Dona Tita, com orgulho, a todos quantos passassem por ela.
Nesse passo, dois meses se foram no consumo de terças e quintas. Mas num desses acasos que Deus assina como anônimo, por compromisso inadiável (consulta médica), eu não poderia dar aula ao Elias na quinta. Então, na quarta, fui à sua casa para avisá-lo do impedimento.
- Olá, Robertinho! Quer falar com o Elias? Pode entrar, ele está na cozinha.
Lá estava o Elias, sentado à cabeceira da mesa da cozinha, com livro e o caderno que usava em minhas aulas à sua frente.
E ao redor da mesa, mais cinco meninos, também com seus cadernos. E aí eu compreendi o verdadeiro sentido da solidariedade, da fraternidade.
O que o Elias aprendia comigo nas terças, ele ensinava aos amigos nas quartas. E repetia a ação nas sextas.
Longos cinco meses de trabalho, meu e do Elias. Mas, afinal, nossa luta recuperou esperanças, arrematou certezas, sacrificou dúvidas. E o Colégio “Canadá” matriculou o Elias na primeira série do ginásio e os cinco meninos ex-estudantes de mesa de cozinha.
Essa experiência alterou profundamente meus conceitos sobre a vida.
Percebi, tão cedo graças a Deus, a importância do servir.
A necessidade de auxiliarmos outras pessoas a serem felizes. De compreender que a nossa felicidade está intimamente ligada à felicidade das pessoas que nos cercam. Não há como crescermos sozinhos. A nossa evolução é parte da evolução infinita. Cada um de nós compõe o universo dos seres, não só humanos, que vivem em busca da harmonia, da paz, da felicidade. Somos uma sociedade etérea, comunidades heterogêneas, que, infelizmente, ainda se agridem em nome de equilíbrios sistêmicos, em nome de doutrinas tão diversas quanto a própria natureza das idéias.
Então, como buscar a harmonia que resulte na paz e, assim, produza a felicidade em cada um de nós? Evidentemente, não há fórmula mágica. Mas podemos buscar magia nas fórmulas disponíveis. Os instrumentos somos nós mesmos. E os meios estão nas experiências de vida que todos nós, sem distinções, adquirimos a cada dia. Reservar somente para si os conhecimentos que a vida oferece é egoísmo inadmissível. É deixar o túmulo digerir todo alimento acondicionado por uma existência na nossa mente, transformando-o, mais tarde, em adubo do nada, excremento da mesquinhez.
Sou e sempre serei da filosofia do ensinar a ensinar. Da troca de experiências. Da distribuição do Conhecimento, principalmente àqueles que não possuem recursos financeiros para adquiri-lo. Que Deus me dê sopas para alimentar os famintos, mas também me dê didática para supri-los do saber. Haverá o dia em que, nivelados pelo Conhecimento, as comunidades não serão tão heterogêneas, a harmonia será conseqüência da solidariedade e a tão sonhada Paz estará em nosso meio como passageira eterna no veículo-tempo que nos transporta do nascimento à morte. Todos terão as mesmas oportunidades. E a fraternidade será consagrada pelo verdadeiro amor ao semelhante.
Que tal sentarmos à cabeceira da mesa de nossa cozinha e prepararmos meninos e meninas para os ´exames de admissão´, impostos pela vida, que possibilitam a matrícula de cada um na escola da felicidade? Seríamos, então, os embriões da Grande Célula da fraternidade.
É só uma idéia...

Roberto Villani

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