GESTOS PERIGOSOS

sábado, 3 de janeiro de 2009

ESTÓRIAS DO PESCADOR TIÃO COXO


Tião Coxo estacionou o velho GMC 44 - Chevrolet bem na porta da Bodega das Moscas como era conhecido o estabelecimento comercial da Idália Macho. Vinha de Tavalá a caminho de Vempraqui, por conta de algum carreto de qualquer coisa que desse para alguns trocados. Parou ali porque a fome estava brava. Já conhecia Idália Macho de outras eras. Transformista arretado(a), macho da peste quando enfrentava pendenga de cabo de esquadra. De resto, uma dama das mais bem concebidas ao termo de jamais virgem. Cozinhava muito bem comidas da região. O que emperrava o consumo de terceiros era a falta de limpeza no local, bem ao gosto das varejeiras.
Tião Coxo acomodou-se junto a mesa do lado de fora. Mais fresco, apesar da poeira soprada da estrada de terra. Sentou-se e, soltando gases, curvou-se para desabotoar as botinas. Já com os pés à mostra, os dedos movendo-se para quebrar um pouco a falta de circulação, Tião Coxo olhou para Idália Macho e justificou-se:.
- Me desculpe o mau cheiro. Coisa do feijão branco que tracei ontem à noite. – e sorriu mostrando os dentes em completa ruína. Mal terminava o palavreado e Idália Macho já ligava três ventiladores na força total.
- Me desculpe o amigo, mas tô com mais dois freguês que, pelo fedor que já arruína o nariz de quem quer que cheire, quase botaram os bofe pra fora. Mas me diga, o amigo come o quê?
- O que tivé vai me fazê gosto.? – disse Tião Coxo com os cotovelos no tampo da mesa. – E me traz também três golada de cachaça das boa. - As três doses de pinga foram servidas rapidamente. Em duas investidas do Tião Coxo, metade da bebida servida foi pela goela a baixo. Conhecido pelas redondezas como homem contador de causos, e dos bons, inspirou Idália Macho, que queria atração pro o boteco:
- Se o amigo contar algum causo porreta, não cobro a cachaça.
- Se lhe faz gosto, providencio um agorinha mesmo. – disse Tião Coxo ajeitando-se na cadeira mais pra lá do que pra cá. E continuou: - Meu gosto bom é a pesca. Sempre que posso, desentoco a minha vara e lá vou eu pra beira de algum riacho. – Deu um tempo pra mais uma talagada de caiana, enquanto os dois fregueses se achegavam para ouvir melhor. – Já tinha escutado falarem de um tal rio Viagra. Que nele, nenhuma vara de pescador nega fogo. Resolvi ver pra crer. Era uma tarde de céu feio. Procurei um lugarzinho jeitoso pra me sentar. E botei minha vara pra trabalhar. – Outra emborcada da birita da Idália Macho. E prosseguiu sob a atenção dos três escutadores: - Tava eu ali algum tempo, nada de peixe na minha minhoca, quando senti um aperto nas minhas perna. Eu tava quase dormindo... Amigos, uma cobra gigantesca, gorda, tava se enrolando na minha pessoa. Fiquei só observando o que ela pretendia. Quando ela tava enrolada até o meu peito descunfiei da má intenção da funesta. – Outra engolida severa da cangibrina. – Eu pensei, se eu não me incomodar com o incômodo, essa anatonta me prega uma peça. Aí, catei o pescoço da fulana com as duas mão. Olhei bem nos olhos dela e falei com braveza: escuta aqui! Se você apertar muito a minha caixa de lombriga, vou ter que libertar por baixo um vento peçonhento, daqueles de enojar estômago de urubu. Te garanto que tua pele apodrece rapidinho e teu nariz vai cheirar merda por duas semanas mais ou menos.
- E aí? – perguntou ansioso um dos escutadores.
- Nem acreditei. Ela me encarou parecia muito brava. Até a língua ela escondeu na boca. Depois, foi se alargando devagarinho e, muito sem graça, começou a entrar no rio. Já lá no meio das água, virou a cabeça pra trás, me deu mais uma encarada, e se mandou, acho que pros quintos dos inferno. – Coçou a cabeça e concluiu: - Agora, quero comida! E cachaça de graça conforme o prometido.
Mesa cheia, galinha de cabidela, feijão branco com jerimum, carne seca com batatas, carne de porco tostada, arroz e farofa. Tião Coxo comia de mão cheia. Não usava garfo pra não perder tempo. Os dois fregueses escutadores não saíram de perto do sujeito, admirando-o como astro da televisão. Idália Macho preparou mais umas quatro doses de cachaça em homenagem à maior mentira que ela(e) já tinha escutado. Tião Coxo acabou de comer, tirou do bolso traseiro da calça uma carteira de couro maucheiroso e pagou. Levantou-se, calçou as botinas, cumprimentou os amigos presentes e saiu em direção ao seu velho caminhão. Além da porta, deixou escapar um estrondo ensurdecedor acompanhado de fedor indescritível. Os escutadores desapareceram como veado fugindo de leão faminto, no meio do pó da estrada. Idália Macho, com um guardanapo tampando o nariz, rapidamente arriou as portas do boteco; apareceu uma placa que dizia: “Fechado pra balanço”. Pelo chão das redondezas, milhares de moscas varejeiras mortas, esturricadas.

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